Xhapeland apoia o desenvolvimento do surf em São Tomé – Entrevista com Paulo Pichel

17-03-2016

 

Nos próximos dias 2 e 3 de abril, vai realizar-se na ilha de São Tomé a 4ª edição do campeonato nacional de surf são-tomense, evento que todos os anos consagra o campeão da modalidade em São Tomé e Príncipe. O surfista Paulo Pichel faz parte do grupo de portugueses envolvidos no projeto desde o início, onde se incluem também Miguel Ribeiro, também residente em São Tomé, Pedro Almeida, ex-residente, e o casal Teresa Abraços e Pedro Quadros, que nos últimos anos se tem deslocado assiduamente à ilha com o intuito de criar dinâmicas e estruturas destinadas a estimular o desenvolvimento do surf são-tomense.

Nos últimos dois anos, a Xhapeland tornou-se um dos principais parceiros do evento através de um sistema de doação que já fez chegar a São Tomé várias dezenas de pranchas oferecidas por clientes e team riders da fábrica aos jovens surfistas da ilha. O Prego Gourmet, cadeia de restauração que patrocina a camada mais jovem da equipa de riders da Xhapeland, tem assumido um papel de destaque nesta parceria através do envio de pranchas em segunda mão usadas pela sua equipa de surfistas.

Numa altura em que se acertam os últimos pormenores para mais uma edição do campeonato, estivemos à conversa com Paulo Pichel, a viver em São Tomé há mais de cinco anos e sócio da Xhapeland, que nos falou da evolução do surf na ilha, do seu envolvimento nesse processo e dos planos para o futuro. 

O que te levou a assentar bases em São Tomé?

Paulo Pichel: O meu percurso em África começou com um convite de um amigo meu, o Lourenço Almeida, para ir trabalhar para o Gabão. Nessa altura, eu tinha deixado o surf um bocado de lado. Ao fim de um ano, surgiu a oportunidade de vir para São Tomé e Príncipe representar uma empresa francesa. Cheguei a São Tomé em setembro de 2010 e nas primeiras semanas estive bastante focado no trabalho, a fazer e a desenvolver contactos para a nova empresa. Ao fim-de-semana aproveitava para ir passear e houve uma vez que passei ali na zona de Santana, que é agora o centro do surf em São Tomé, e vi uns miúdos a brincar nas ondas com umas tábuas de madeira, um deles com uma prancha de surf velha, toda partida. Comecei a ver umas linhas a entrarem, umas direitas, e disse para mim mesmo: “Não acredito…” Liguei logo para o Xenico [Vidal]: “Olha, faz-me já uma prancha. Quero uma prancha com a bandeira de São Tomé.” Lembro-me como se fosse hoje.

Qual era o estado de evolução do surf em São Tomé nessa altura?

PP: Muito verde. Se calhar o melhor surfista são-tomense já fazia um take-off. Havia um ou dois que já cortavam as ondas, mas tudo muito verde ainda. O contacto com o surf era muito reduzido. Na altura, a internet em São Tomé praticamente não existia. Lembro-me que no primeiro escritório em que estive demorava 10 minutos a receber um e-mail. Hoje em dia, como vês, estamos a ter uma conversa. Em seis anos, as comunicações e a internet evoluiram imenso e os miúdos hoje em Santana têm internet de borla, sabem os nomes dos surfistas todos, das praias, das ondas, das manobras… Na altura, não; havia um turista muito de vez em quando, e eles tentavam imitar.

A disfrutar do melhor lado de São Tomé.

Nos últimos anos, muitas foram as pranchas que fizeste chegar às mãos de jovens são-tomenses. Como se proporcionou esse intercâmbio?

PP: Depois de perceber que havia ondas em São Tomé, fui a Portugal passar férias e encontrei-me com o Xenico na XCult para levantar a minha prancha, e tinha lá várias surpresas. As pessoas souberam que eu vivia em São Tomé, que havia lá umas ondas e que alguns miúdos surfavam com tábuas de madeira, e tinham deixado três pranchas para eu lhes oferecer. A partir daí, cada vez que ia a Portugal, tinha mais pranchas para trazer, oferecidas pelas pessoas. Hoje em dia, a Xhapeland é uma mais-valia incrível neste sentido. Cada vez que vou à fábrica, tenho imensas pranchas dos team riders do Prego Gourmet e outro material para trazer. Ao longo dos anos, posso dizer que já trouxe para São Tomé mais de 50 pranchas.

Como descreves a evolução do surf em São Tomé nos últimos seis anos? Quantos surfistas costumas encontrar na água e qual é o nível geral de performance?

PP: Somos para aí 30 a 40 surfistas, a maioria de nível médio e médio-baixo. Temos dois ou três com nível médio-bom, temos o Danilk [Afonso], que está um degrau acima dos outros, e depois temos o Jéjé [Edmilson Camblé], provavelmente o melhor surfista são-tomense. Tenho pena que ele não tenha tido mais oportunidades. Se ele tivesse começado a surfar aos 9, 10 anos em Portugal… Tudo o que ele faz aprendeu sozinho, a ver os vídeos dos surfistas profissionais na internet, e do pouco que nós sabemos e lhe vamos dizendo. Se tivesse vários campeonatos com surfistas melhores do que ele tenho a certeza de que ia evoluir imenso, porque ele é mesmo daqueles miúdos que não saem de dentro de água enquanto não conseguem uma coisa. Insiste, insiste, insiste até chegar à perfeição.

E raparigas a surfar, não há?

PP: Não, o que é uma pena. A Teresa Abraços, das últimas vezes que esteve cá, ofereceu uma prancha à irmã do Jéjé e tentou incutir o espírito do surf nas raparigas, mas é difícil… São Tomé ainda tem uma cultura em que não se vê muitas mulheres no desporto. Vais à praia e só vês miúdos a brincar nas ondas, com tábuas de madeira, enquanto as raparigas ficam a ajudar as mães a lavar a roupa. Uma vez fizéssemos um dia de surf aberto e fomos para uma praia [7 Ondas] de fundo de areia dar aulas às pessoas que queriam experimentar; houve algumas raparigas a tentar aprender, mas depois não pegou muito. Tem de se insistir mais.

Fala-me do campeonato nacional de São Tomé, de que tu foste um dos principais impulsionadores.

PP: Há quatro anos, eu e uns amigos meus – o Pedro Almeida e o Miguel Ribeiro – organizámos o primeiro campeonato. Agora, no fim de semana de 2 e 3 de abril, vamos ter a 4ª edição. A Xhapeland tem-nos acompanhado e tem sido um forte apoio, um braço que se estende até São Tomé e está sempre a ajudar com as pranchas de amigos e team riders, que oferecemos aos miúdos como prémios. Depois, a companhia de telecomunicações de São Tomé e Príncipe, a CST - Companhia Santomense de Telecomunicações, patrocina imenso os campeonatos; sem o paoio deles tudo seria mais difícil. A primeira edição foi uma brincadeira, o pódio eram mesas e cadeiras de café. Agora já existe uma estrutura, a CST convida bandas para atuar no palco, é super divertido. E os prémios estão cada vez melhores, aliás, não há nada em termos de desporto que tenha prémios tão bons como o surf em São Tomé. A CST oferece telemóveis e a Xhapeland oferece pranchas, quilhas, leashes, wax, decks... No ano passado, para além da prancha do vencedor, demos mais três pranchas em segunda mão. Também demos várias t-shirts da XCult, e a Teresa Abraços trouxe montes de t-shirts, calções-de-banho e acessórios de surf.

Acompanhado pelas duas maiores esperanças do surf são-tomense, Jéjé e Danilk.

Por que é tão importante para ti ajudar o surf são-tomense a evoluir? Qual é a motivação?

PP: A motivação é chegar ao fim de uma semana de trabalho e poder surfar na companhia dos miúdos. Eles fazem-me rir, fazem-me não pensar no trabalho, nos problemas que uma pessoa tem. Essa é a minha motivação: ver a alegria dos miúdos e a minha alegria. E é também ver a evolução deles sempre que vou para dentro de água e reparo que estão a tentar fazer uma manobra nova.

Quais são os planos, as metas para 2016?

PP: Para já, vamos ter o campeonato nacional, nos dias 2 e 3 de abril. Este ano queremos também arranjar patrocínios para levar pelo menos dois ou três miúdos pela primeira vez ao ISA, que será nos Açores. Patrocínios procuram-se! A médio-longo prazo, queremos criar o Clube de Surf de Santana, para o turista e mesmo os são-tomenses saberem que existe uma base, um sítio onde ir se quiserem surfar. A ideia é criar um espaço, um ponto de encontro, onde se possa fazer palestras, remendar e alugar pranchas, com dois ou três miúdos disponíveis para dar aulas ou serem guias turísticos de surf. Isto são tudo coisas que vão acontecendo; não existe uma estrutura. Se eu tivesse mais tempo talvez fizesse mais pelo surf em São Tomé, porque sei que sou uma mais-valia graças aos contactos que tenho com Portugal e com a Xhapeland. O que nós queremos é que o surf não pare de crescer aqui, que cada vez mais pessoas venham a São Tomé, não só pelo surf mas também pela sua beleza natural, e poder criar um meio de subsistência para alguns deste surfistas de São Tomé. Seria uma alegria para mim poder saber, daqui a uns anos, que o surf em São Tomé continua a crescer, que é uma realidade e que esta primeira geração de surfistas são-tomenses tenha conseguido passar a mensagem, o sentimento de paixão pelo mar e pelo surf aos mais jovens.

 

 
 
 
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